Mercado de trabalho | O efeito Tostines e a necessidade da empresa que forma talentos
As empresas precisam assumir sua função de escola para superar as fragilidades, disseminar o empreendedorismo e seus desafios, sem perderem o foco do mercado. O “efeito Tostines” tem sido usado como recurso de linguagem para explicar muita coisa. No caso do desempenho empresarial, o jogo de raciocínio também vale. É eficiente porque vende muito ou vende muito porque é eficiente? Afinal, a produtividade e os resultados da empresa estão diretamente relacionados aos avanços tecnológicos incorporados à estrutura e à capacitação da equipe. Sendo assim, pode-se afirmar que a empresa produz mais e melhor porque encontrou um ponto ótimo que conjuga esses dois fatores. Por isso, consegue ter forte presença no mercado.
A forte presença no mercado, por sua vez, permite que se mantenha devidamente organizada para avançar, sempre. Sem contar que, ao alcançar esse estágio, entra no rol das empresas altamente competitivas, em que qualquer falha pode resultar em um fracasso estupendo. Por isso, busca sempre os melhores profissionais, paga os melhores salários, tem os melhores consultores, emprega a mais alta tecnologia e se mantém no fronte da inovação permanente. Trata-se de um círculo virtuoso almejado por todos os empreendedores, mas alcançado por poucos.
A maioria das empresas brasileiras, principalmente do setor de serviço e comércio, padece de um mal crônico que caminha no sentido inverso ao apresentado: a dificuldade de encontrar profissionais com o perfil para o negócio e que agreguem valor à atividade que se propuseram a desenvolver ao serem contratados. A baixa produtividade do empregado, por sua vez, faz com que seu salário seja baixo e a garantia de se manter empregado também se fragiliza. Estamos diante da precariedade do emprego, tão discutida pelos especialistas, que alimenta um novo círculo vicioso ilustrado pelo efeito Tostines: O empregado produz pouco porque o emprego é precário ou o emprego é precário porque o empregado produz pouco?
Desde o final dos anos 70, quando se inicia a abertura do mercado brasileiro, exigindo maior desempenho das empresas nacionais para que se mantenham vivas, o país vive esse drama da alta mobilidade do trabalhador, que prefere se arriscar em busca de novas oportunidades a permanecer em um lugar em que se sente descontente. No entanto, os índices nacionais garantem também que os profissionais com melhor escolaridade permanecem mais tempo na empresa. Pelo simples fato de aprenderem com rapidez a função e alcançarem melhor desempenho, ganham mais.
A alternativa tem sido selecionar aquele candidato que demonstra ter ao menos algum jeito para a função, depois capacitá-lo internamente, na expectativa de que num futuro próximo possa dar algum retorno ao investimento. Por outro lado, nem sempre o treinamento resulta em um profissional capaz e produtivo, porque há muitos fatores psicossociais, educacionais e de relacionamento interno que dificultam esse progresso. Há ainda aquele que pede a conta assim que se sente em condições de ganhar um pouco melhor. Quando isso acontece, todo o investimento da empresa em recursos humanos vai para o ralo. Em período de mercado aquecido, por exemplo, o turnover cresce, deixando as empresas mais receosas e com dificuldades extras para contratar. A facilidade de encontrar uma nova posição no mercado, portanto, e a legislação trabalhista, que contribui para que o empregado possa receber alguns recursos extras com salário desemprego e FGTS, acrescentam ingredientes ainda mais dispersivos ao cenário e o jogo se complica.
Com base nessa lógica, pode-se afirmar que a indústria de transformação, de alto valor agregado, que atua em mercado global, é a que tem alcançado o melhor desempenho em gestão, por incorporar tecnologia, arregimentar competências e, consequentemente, alcançar produtividade com qualidade para atender um segmento dinâmico e exigente. Não é à toa que paga, na média, os melhores salários e oferece os empregos mais sólidos a profissionais com elevada formação técnica, que, devidos a essas vantagens, procuram permanecer no emprego por um tempo mais longo. Confirmando a lógica da abertura deste artigo.
A crise do momento, que tem abalado o setor industrial brasileiro, está diretamente relacionada a fatores que desmontam essa base, mas por fatores que não estão sob o controle do empreendedor. São fatores exógenos relacionados à conjuntura nacional, decorrentes da precariedade das políticas públicas, alta carga tributária, baixo investimentos governamentais em infraestrutura e logística, câmbio desfavorável , crédito caro etc.
Voltando às empresas que padecem da precarização do emprego, o que devem fazer para enfrentar esse problema crônico? É aí que entra a habilidade do empreendedor para fortalecer a relação com seu colaborador. Se, num primeiro momento, não pode falar em melhores salários, que crie ao menos uma dinâmica interna para valorizar a equipe e reconhecer competências, estabelecendo um grau de comprometimento maior entre as partes. Cada colaborador precisa se sentir envolvido no negócio, em sua amplitude, para vislumbrar perspectivas ao seu futuro profissional. Este exercício de gestão compartilhada exige mudança na cultura da empresa e, especialmente, da alta direção. As empresas precisam assumir sua função de escola para superar as fragilidades, disseminar o empreendedorismo e seus desafios, sem perderem o foco do mercado.
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